Quando
conheci o Celso, eu usava cabelos extremamente curtos, resultado de um recente
relacionamento amoroso fracassado, quando então me vinguei em minhas próprias
madeixas. Observava-me ao espelho e não me cansava de achar-me nem um pouco
atraente. Por isso, me surpreendi quando o Celso apareceu sem avisar no meu
trabalho, no meio da tarde, e perguntou se podia voltar mais tarde para me
pegar.
—
Para me pegar?
—
Sim, para darmos uns amassos, disse ele, com simplicidade.
Celso era uns 14 anos mais velho que eu, que mal tinha completado 21 e ainda era uma estagiária.
Naqueles
tempos, meados da década de 1980, Celso desfilava com um velho Dodge Dart da
década anterior. E era artista plástico. Pintava umas telas a óleo, e, dizia,
preparava uma exposição.
Celso
sempre aparecia no final do expediente ou na faculdade, de Dodge ou a pé, e me
pegava para os tais “amassos”. De forma que meus colegas do estágio ou da
faculdade, que já o conheciam de vista, avisavam: “Aquele seu namorado está aí”.
“É o seu namorado no telefone”. Velhos tempos, sem celular nem internet. Em
contrapartida, para os amigos de Celso, com quem tomávamos eventuais chopes, eu
era a namorada dele. Embora sequer soubéssemos onde o outro morava.
Apesar
de nos vermos com frequência quase que diária, era raro nos encontrarmos aos
sábados e domingos, pois geralmente ele ia ao sítio dos pais “ver como andam as
coisas por lá”. O pequeno sítio produzia hortaliças e frutas, que eventualmente
a família vendia.
Uma
vez, fomos ao seu “ateliê”. Na verdade, um moquifo num prédio mal afamado
próximo ao centro da cidade. O “ateliê” era equipado com geladeira, um fogão
portátil, chuveiro elétrico, alguns colchonetes. De fato, lá estavam telas,
tintas e pincéis, constatei. De madrugada, quando bateu fome, Celso fez uma
farofa de ovos, que comemos com café fresco. De sobremesa, havia umas laranjas,
que ele descascou com extrema delicadeza, retirando toda a casca por inteiro.
Celso
morava com os pais e irmãos num bairro de classe média, numa casa certamente
confortável, para onde ele nunca me levava. Os finais de tarde passados no
moquifo/ateliê, porém, eram muito agradáveis. E sempre havia café fresco. Do
colchonete, eu podia ver, enquadrada pela janela, uma nesga do céu azul
pincelado de tons laranja enquanto Celso, deitado sobre mim, me encharcava de
suor, praticando o tantra.
Quando
ia me buscar na faculdade, Celso costumava esperar a aula terminar num boteco
próximo, frequentado pelos alunos. Numa dessas vezes, ele foi sem o velho
Dodge, e quando deixamos a faculdade, começamos um “amasso” ali mesmo, na rua,
encostados a um muro. À luz do poste, eu via o seu rosto em close, as pequenas rugas que faziam uma
espécie de teia em volta dos olhos muito claros, as linhas no contorno da boca.
Uma entrada mais forte entre os cachos loiros salpicados de fios brancos aqui e
ali já denunciava um princípio de calvície. Os meus cabelos já não estavam tão
curtos, de forma que ele esticava de leve as pontas, como se quisesse acelerar
o crescimento dos fios, enquanto mordiscava meus lábios e beijava meus olhos.
Pela camisa entreaberta de Celso, eu podia sentir os pelos fartos do seu peito
roçando em meu colo.
Subimos
e descemos ruas até cansar. Quando paramos para comer uma pizza, ele me
convidou para irmos até o ateliê. Eu não queria. Aquela noite, preferia ir para
algum outro lugar, mesmo que fosse para aquele motel cheirando a mofo que
tínhamos ido da última vez. Mas ele insistia:
—
Tenho uma surpresa para você.
—
Para mim?
—
Na verdade, para nós.
Sempre
fui muito curiosa. Por isso, não resisti e nos pusemos a caminho do
ateliê/moquifo.
Foi
a última vez que vi o Celso. No próximo sábado seria aniversário dele, e eu
queria que combinássemos algo. Uma viagem de fim de semana, talvez. Ele ficou
de confirmar.
No
dia seguinte ao episódio da cama, quando ia para o estágio, encontrei na rua,
totalmente por acaso, a Ester, uma das amigas que estavam comigo quando conheci
o Celso, havia mais de seis meses. Ela me perguntou o que eu iria fazer no
próximo sábado.
Embora
escutasse perfeitamente, palavra por palavra, eu não conseguia compreender
muito bem.
—
O Celso?, perguntei, gaguejante.