A minha história com o Elias, contada no
post “A carruagem de fogo”, não
terminou no supermercado em que nos encontramos, por acaso, quando ele foi
comprar um carrinho de bebê para o filho recém nascido. Também não continuou no
velho casarão arruinado, ou no escritório mambembe, nem em motéis ou qualquer
outro lugar do mundo. Mas teve um adendo, que durou cerca de quinze ou vinte
minutos, dentro do velho taxi pirata – o fusca sem o banco do carona, ao lado
do motorista –, quase três anos após o nosso último encontro casual no
supermercado.
Às sete e pouca da noite – uma noite
pesada de inverno, sem lua, sem vinho, sem violão –, eu voltava da padaria,
quando avistei, parado na esquina de casa, como um bicho à espreita, o velho
fusca do Elias. O Rodrigo me esperava em casa, com a nossa bebê de apenas oito
meses de idade. Mas fiquei surpresa ao encontrar o Elias ali, quase à minha
porta, me esperando para conversarmos. Surpresa e curiosa.
Nunca mais, desde aquele dia no
supermercado, tinha visto o Elias. Ele parecia muito bem. As faces rosadas de
sempre, contrastando com os cabelos negros em desalinho, os olhos vivos, tal
como eu o conhecera quando tínhamos quatorze anos. Na oitava série.
Ele soubera que eu tinha tido uma filha
com o Rodrigo. Sabia também que não morávamos juntos. Mas tinha ouvido falar
que eu ia me mudar de cidade, junto com o Rodrigo, e queria saber se era mesmo
verdade. Queria ouvir da minha própria boca.
Sim, era de fato verdade. Eu e o Rodrigo
havíamos resolvido ir morar juntos, mudar de cidade, de vida e de ares. Íamos criar
nossa filha juntos, enfim.
— Por quê?!
Elias me olhava com um olhar incerto,
duvidando daquilo que, para mim, era absolutamente indubitável. Era isto mesmo
o que eu ia fazer. Sim, senhor.
Elias estava muito bem informado. Da minha
parte, o olhava como a um completo estranho, que era exatamente isto o que ele
havia se tornado para mim.
— Tem certeza? Você e o Rodrigo... vão
dar certo?
Eu não entendia aquela conversa, toda
aquela preocupação. Há tempos que eu não via o Elias. Nem sequer me lembrava
dele. Nem de nada do que havíamos vivido.
— Só queria saber se você vai mesmo
ficar bem.
Lembrei do filho, da filha e das duas
mulheres do Elias. Talvez houvesse mais filhos, mais mulheres? Mas não
perguntei nada. Não queria me envolver, nem dar brechas para que ele se metesse
na minha história com o Rodrigo. Afinal, o que ele tinha a ver com isso?
— De onde você conhece o Rodrigo?,
perguntei subitamente, pois até aquele instante, nunca havia me ocorrido que os
dois pudessem ser amigos, ou ao menos conhecidos.
Elias me olhava como se tivesse muitas
coisas a me dizer, presas nos lábios finos e muito vermelhos, prestes a
explodir. Coisas terríveis, talvez, a respeito, quem sabe, do Rodrigo? Mas não
falou mais nada.
Bem, não posso dizer que ninguém, em
tempo algum, jamais se preocupou comigo, porque não seria verdade. Naquele instante,
sem quê nem para quê, Elias apareceu do nada, numa noite fria, para dizer que
se preocupava comigo, que queria saber se eu ficaria bem.
— Preciso ir, falei. Minha filha está me
esperando. Ela e o pai estão me esperando, frisei.
Elias assentiu com um gesto de cabeça, e
abriu a porta do fusca, me libertando. Aquela sim, foi a última vez que o vi, há quase vinte e quatro anos passados. Enquanto
abria o portão de casa, via o fusca se afastar, descendo lentamente a rua
íngreme, forrada de seixos pontiagudos.