Antes de prosseguir, quero dizer
que não estou contando direito, omitindo fatos aqui e ali, que coisa feia. Devo
confessar que omiti, sim, alguns detalhes que talvez fossem importantes, que possam
estar desfalcando o baú dessas memórias. Porém, é sempre tempo de remediar.
Antes de prosseguir com a
história – e devo dizer que contarei, a seguir, ainda que penosa e
sofrivelmente, a minha história com o Rodrigo –, devo esclarecer que não
contei, por exemplo, que descobri que o Adriano – o meu imperador particular,
lindo, um metro e noventa de altura – era michê e que também mantinha um
relacionamento com um professor universitário, bem mais velho do que ele. Numa
das festas em que fomos juntos, ficou muito tarde para ir embora sozinha,
então, como a casa do Adriano estava perto, ele me levou para lá. Na verdade, a
casa do professor, um triplex luxuoso, bem perto da lagoa. Mal o dia amanheceu,
saí nas pontas dos pés, carregando as sandálias nas mãos, e peguei o primeiro
ônibus que surgiu, sem olhar para trás.
Também não disse que, certa
feita, numa das vezes em que fui até o apartamento do Celso sem avisar, ele
simplesmente não abriu a porta para mim, embora eu tivesse tocado
insistentemente a campainha, chamado por ele e, por fim, esmurrado a porta várias
vezes. Ele estava lá, dava para perceber claramente, e estava acompanhado. Havia
até música tocando. Fui até o hall dos elevadores, onde havia uma pequena janela
que dava para a janela do quarto do Celso. O sol estava se pondo, e sua luz
perpendicular batia em cheio nos vidros das janelas altas dos prédios,
refletindo tudo em volta. Fiquei ali, quieta, não mais preocupada com Celso ou
com o que se passava em seu cafofo. Na verdade, nada, que não fosse aquele
incrível por de mil sóis, me preocupava naqueles breves minutos em que permaneci
à janela daquele corredor, esquecida de mim e do mundo.