domingo, 9 de novembro de 2014

O bolo de chocolate – Luciano


Conheci o Luciano em agosto de 1991. Foi Letícia quem nos apresentou. Ele usava cabelos compridos, um pouco cacheados, e tinha olhos bem pretos e luzidios. Era alto, muito branco e excessivamente magro. E era mais velho uns oito do que eu, que estava com 26. Quando cheguei à casa da Letícia, após o trabalho, ela estava de saída. Disse:
— Vem comigo. Vou te apresentar uma transa minha que é bem interessante.

Letícia tinha várias “transas”, mas não se fixava em ninguém. Fomos até o apartamento de Luciano, que ficava próximo à faculdade de medicina, e que ele dividia com o Caetano, um estudante de medicina cuja família era do interior. Caetano era quem pagava todas as contas da casa, já que o Luciano era “artista plástico desempregado”. Faziam as principais refeições – almoço e jantar – no bandejão da faculdade. O resto era composto por biscoitos de chocolate, cigarros e bebidas. Luciano, porém, não gastava nem um centavo com cigarros, visto que sua marca preferida, ou melhor, exclusiva, era a famosa “Simidão”. Se lhe dessem cigarros, ele fumava, se não...
Naquela época eu era fumante, embora fumasse muito pouco, cerca de três ou quatro cigarros por dia. Apesar de fumar “Simidão”, Luciano não fumava pouco. Seu apartamento era bastante frequentado por estudantes de medicina colegas do Caetano e também por outros amigos. Fumavam tanto, que o ambiente chegava a ficar com uma “cortina de fumaça”, literalmente. Também jogavam cartas e bebiam uísque, de modo que a sala do apartamento do Luciano lembrava mais um cassino clandestino do que a residência de universitários.

Luciano tinha um filho de quatro anos, fruto de um relacionamento que mal durara um ano. Talvez por isso ele não se empenhasse muito em procurar – e encontrar – trabalho. Recusava-se a pagar pensão. De qualquer forma, o menino, louro, de olhos muito azuis, um verdadeiro anjinho, passava os finais de semana com ele.
Na segunda vez que vi o Luciano, eu estava sem a Letícia. Fui direto à casa dele, procurá-la, mas ela não estava lá. Ele me convidou a entrar. Mostrou-me alguns trabalhos que fizera ainda na faculdade de artes plásticas, e que pareciam ser uma espécie de tesouro seu, guardado a sete chaves. Caetano não estava em casa, mas chegou pouco depois. E fingiu naturalidade quando eu e Luciano começamos a nos beijar.

Perguntei ao Luciano, como quem não quer nada, se ele e a Letícia tinham algo sério.
— Eu e Letícia? O que nós tivemos foi apenas uma transa.

Por causa das contínuas, quase diárias, reuniões dos amigos de Luciano e Caetano, e por causa das visitas do filho nos finais de semana, tornava-se bastante difícil às vezes encontrar o Luciano. Ele quase não saía de casa, por motivos óbvios, e era sempre eu que ia vê-lo, depois do trabalho ou em algum final de semana. Resolvi o problema mudando os meus horários.
Uma noite em que a “reunião” prolongava-se ad infinitum, o Caetano pediu licença e foi para o seu quarto, alegando que precisava dormir cedo, pois no dia seguinte deveria estar no hospital – ele era “residente” – às sete horas da manhã, horário que, para os outros simples mortais que ali estavam, ainda era madrugada. A informação acendeu uma luzinha no fundo do túnel do meu cérebro.

Ao descobrir que o Caetano precisava estar na “residência médica” pelo menos quatro dias na semana, constatei que eram quatro dias que ele não estaria em casa às sete horas da manhã. Estava tudo resolvido!
Passei a ver o Luciano de manhã cedo, antes de ir para o trabalho. Eu pegava às nove horas da manhã, de forma que, entre sete e oito e meia, lá estava eu, batendo ponto no apartamento do Luciano. Eu nem me importava de acordar mais cedo: tinha o Luciano só para mim, longe daquela “gang” de amigos, e, de quebra, livre do anjinho de cachos dourados. O próprio apartamento era só nosso, nesse curto espaço de tempo. Fazíamos café da manhã, tomávamos banho juntos e gastávamos o resto do tempo na cama larga, de casal, do Luciano, o que frequentemente me fazia chegar atrasada no trabalho, e sempre de cabelos molhados. O mais interessante é que meus cabelos molhados àquela hora não levantavam nenhum tipo de suspeita no trabalho, nenhuma gracinha, como ocorre quando as mulheres, que chegaram pela manhã de cabelos secos, retornam do almoço com os cabelos molhados. Nem mesmo para a minha melhor amiga no trabalho eu não contava uma vírgula, pois receava botar tudo a perder, se os reais motivos dos meus atrasos fossem descobertos.

Estávamos, eu e o Luciano, praticamente em lua-de-mel. Quando eu chegava, às sete e pouco da matina, ele ainda estava dormindo profundamente. Então, eu ganhei uma cópia da chave. Entrava sem fazer barulho e me certificava de que o Caetano não estava mesmo em casa. Ia pé ante pé até o quarto do Luciano e me enfiava debaixo das cobertas. O Luciano se enroscava em mim e ia tirando-me a roupa lentamente. Mordia-me os mamilos, lambia meu pescoço e ia descendo sua língua molhada e quente até o meu clitóris. Depois, me penetrava calmamente, como se tivéssemos o dia todo para isto.

— Lu, is... – fiquei meio em dúvida se pedia ou não o isqueiro, estava meio querendo parar de fumar. 
— Isqueiro?! 
Ele acendeu meu cigarro Carlton, de filtro suave, e ficamos os dois nus e fumando, curtindo a preguiça pós-sexo, antes de irmos para o chuveiro.
A nossa “transa” ia muito bem, obrigada. Até quando entramos no terceiro mês, quando, sem quê nem para quê, ele passou a falar muito na ex, a mãe do garoto. Primeiramente com rancor e mágoas, mas depois com certo saudosismo, nos momentos em que relatava histórias da intimidade deles. Até que progressivamente o assunto principal das nossas conversas, no pouco tempo de que dispúnhamos, passou a ser sempre e invariavelmente a ex do Luciano.

Estávamos em meados de janeiro de 1992 e o Luciano faria aniversário no início de fevereiro. Preparei a despedida organizando uma reunião – mais uma e, para mim, a última – com a “gang” para comemorarmos o aniversário do Luciano. Caetano havia arranjado uma namorada, que me ajudou com os preparativos: arrecadamos dinheiro entre os rapazes para comprar as bebidas e os salgados. O bolo foi por minha conta. Encomendei um de chocolate que o Luciano adorava. A “festinha” foi muito boa. Teve até balão e velinha.
Foi a última vez que vi o Luciano. Ele não tinha telefone em casa, e também nunca me pediu o meu número. Não fazia ideia onde eu morava ou trabalhava. Soube depois que andou perguntando por mim para a Letícia. Outros exageravam, dizendo que “o cara está mal”, e que eu o tinha “deixado na pior”. Mas acho que, pouco tempo depois, ele me esqueceu.

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